plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Já posso falar sobre maternidade?
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Não sei por que, mas sempre me senti inapropriada para falar sobre maternidade. Até pouco tempo atrás eu não falaria sobre isso porque eu ainda não havia sido mãe. Esse é um bom motivo, em princípio. Depois de ter gerado por nove meses e de ter colocado uma vida a mais no mundo, eu pensava: é cedo, sou inexperiente. Ainda que a experiência de gerar uma vida tenha gerado em mim outra vida. Não é o bastante, pensava eu. O que posso falar sobre maternidade do lugar de recém-mãe? O que poderia dizer sobre meses de vida que, ao mesmo tempo em que voam, parecem uma eternidade? Cada dia guarda em si um aprendizado meu (ou vários), um aprendizado do meu filho (ou vários), alguma dificuldade, o fim de uma fase e o início de outra, um cansaço que às vezes dói, uma felicidade que não se explica, um amor que se constrói e cresce a cada minuto. Passou um dia só e não sou mais a mesma pessoa. Agora passou um ano. Será que já posso falar sobre maternidade?

QUAL MATERNIDADE

Certamente posso falar da minha experiência como mãe. (Atravessada por uma pandemia sim, diferente do que eu imaginava, longe das minhas pessoas, meu filho sem os colinhos que eu queria que ele tivesse recebido, é verdade. Mas não é sobre isso que eu falar). Quero falar da grandiosa proeza (e da imensa responsabilidade) que é fazer uma pessoa. Colocar no mundo um ser que pode fazer do mundo um lugar melhor. Sem expectativas, eu espero que sim. Nos últimos 365 dias, passei pela jornada de redescobrir a mim como pessoa. Reencontrar, no meio das fraldas e mamadeiras, meus livros. Achar, entre os meus discos, a chupeta que estava perdida. Encontrar meu companheiro no fim do dia e, entre bocejos e olheiras, olhar as fotos do nosso guri enquanto ele dorme. E babar: é bonita a nossa cria. E perceber: virou pai. Virei mãe. Estamos na luta para entregar ao mundo uma boa pessoa.

O QUE APRENDI

Um ano sendo mãe e descobri que nem tudo que falam sobre a maternidade é verdade. Ou pelo menos não para mim. Não acho que a próxima fase seja sempre a mais difícil, como ameaçam: "você vai ver só quando ele...". Parece que na próxima fase nos aguarda o chefão, como em um vídeo game. Eu acho, sim, que ser mãe dá trabalho e é cansativo. Mas não acho difícil. Não acho que eu deva temer qualquer fase. Por que temer a vida acontecendo? Ao alcance da mão e de dentro do meu colo? Ou ensaiando os primeiros passos? Uma vida que tem a pele macia, muitas dobrinhas e o melhor sorriso com dois dentes. Uma vida que de tão potente veio pra dar um novo sentido para minha vida.

Ao mestre com carinho
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Eu discutia com meu amigo da Educação, Roberto Machado, professor da Faced da Universidade Federal da Bahia, o tipo de lembrança que cada professor que passou em nossas vidas deixou, sendo positiva ou negativa. Concluímos que o professor, essa figura tão descartada pela sociedade, tem muito mais importância para nós pela pessoa do que pelo profissional. Explico.

Roberto me falou de sua professora Dagmar e, por mais incrível que pareça, ele não se lembrava das suas aulas, nem da sua metodologia, mas da maneira que ela segurava a caneta, que ele imitava para ter a letra linda como a dela. Ou das suas idas ao cinema com ela e o filho, que se tornou seu amigo, ou das vezes que foi à sua casa na Galeria Chami. Nada das aulas da professora Dagmar, mas da Dagmar pessoa, para ele, uma segunda mãe.

EXPERIÊNCIAS MARCANTES

Eu falei de vários professores que me marcaram ao longo desses mais de 60 anos de vida. No primário, lembro de uma professora chamada Maria Helena, que era baixinha e nervosa e que um dia, pela minha dificuldade em escrever numa língua que eu não dominava, puxou o papel da minha carteira e exclamou: "quem é burro pede a Deus que o mate e o diabo que o carregue"! Nunca mais esqueci... Mas nem só de lembranças ruins nós vivemos, também têm lembranças maravilhosas, que aparecem num piscar de olhos. Explico novamente.

Sábado é dia de sentarmos à noite, servirmos uns quitutes, que chamamos de tira-gosto, tomarmos uma cervejinha (eu) e um uísque (Celso) e ficarmos jogando conversa fora, como bons cariocas que somos, ainda mais com essa pandemia que não deixa a gente fazer nada fora de casa. Pois bem, conversa vai, conversa vem e, de repente, o papo enveredou para lembranças e ele me perguntou quem tinha sido meu primeiro crush. Eu não lembrava, mas acho que foi o Mick Jagger. Revidei a pergunta e ele me respondeu que nem ia comentar, porque eu ia debochar e cair na gargalhada. Insisti e o Celso respondeu: "Rita Pavone"... Gente... A gargalhada veio aos borbotões!

Levei um tempo para me recompor e expliquei que tinha feito mímica da Rita Pavone quando tinha 12 anos. Em casa? Não, na escola, por causa de uma professora de história, no primeiro ano ginasial. Gente, nesse momento passou um filme na minha cabeça: essa professora nos levava a ter aulas de história no Museu Nacional, fez com que participássemos de um programa de humor na TV Excelsior, com o Daniel Filho, com ela fazíamos teatro, canto, dança... Não, não me lembro das aulas dela, só dos olhares apaixonados que ela trocava com o professor Erick, de matemática, quando ele passava pelo corredor. Celso me perguntou o nome dela e eu de um só fôlego respondi: Miriam Paura Sobrosa. Eu lembrei de nome e sobrenome! Ele correu no Google e achou: Miriam Paura Sobrosa Grispun, vários livros sobre educação publicados, professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro no programa de pós-graduação em Educação, com ênfase em juventude. Atualmente, desenvolve a pesquisa em Culturas Juvenis.

Perguntem se eu não vou mandar um textão pra ela, 56 anos depois de ter sido sua aluna? Só vou!




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